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Criador: Gustave Moreau (1826-1898).
Fonte: http://www.metmuseum.org
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Indagar-se
sobre o que há de existencial no dançar é indagar-se a respeito de um mistério
devastadoramente grande. O físico Marcelo Gleiser, em seu livro A dança do Universo, dentre outras coisas, narra mitos de criação
do mundo. E o movimento lá está como principal personagem dos enredos. Verbos descrevendo
ações cosmogônicas cheias de movimento: gerar, criar, mover, surgir, separar,
moldar, transformar, organizar, dançar. O deus hindu Xiva, dançando cria e
dançando destrói o que outrora fora criado em um Universo que sempre existiu: a
noite essencial de Brama. Com seus movimentos faz morrer e faz surgir. Entropia e sintropia. Para Gleiser, a dança de Xiva "[...] simboliza
tudo que é cíclico no Universo, incluindo sua própria evolução". O ciclo
nascimento-morte ocasionado por Xiva tudo abarca: do mundo aos corpos humanos,
e "simboliza não só a natureza rítmica do tempo, como também a natureza
efêmera da vida".
A ciência, ao desalojar os mitos do lugar explicativo, pretende elucidar os enigmas da origem do Universo descrevendo trajetórias, nascimento e morte de astros celestes por meio de cálculos matemáticos. O movimento desses astros e o movimento que existe neles é o foco da questão.
Havemos de conseguir estar em cima desta terra aparentemente estática sem esquecer que abaixo dela mexem raízes; que em seu núcleo o magma revira-se em temperaturas exorbitantes; que fora dela estrelas se deslocam a todo instante; que circulamos o Sol em uma velocidade alucinante; e que todo o universo é dinâmico. "Dança-me!" é o que nos diz o sussurro do vento, o uivo da lua, o fôlego da relva. Se paramos para escutá-los, percebemos que nada é mais legítimo que o espaço da liberdade. Amar o chão onde se desliza, o ar cortado em um salto, a visão desfocada que se tem durante um giro. A singularidade e o valor da vida de uma pessoa muito tem a ver com o modo como o mistério do existir é por ela encarado; com a maneira peculiar pela qual ela dança sua existência, sendo movimento. Isso já dizia Roger Garaudy em sua obra Dançar a vida, título que consiste em uma bela metáfora para a proposta de assumir uma existência sensível. Mais do que decifrar a vida, precisamos dançá-la, pois não será dançando-a que iremos decifrá-la?
A ciência, ao desalojar os mitos do lugar explicativo, pretende elucidar os enigmas da origem do Universo descrevendo trajetórias, nascimento e morte de astros celestes por meio de cálculos matemáticos. O movimento desses astros e o movimento que existe neles é o foco da questão.
Havemos de conseguir estar em cima desta terra aparentemente estática sem esquecer que abaixo dela mexem raízes; que em seu núcleo o magma revira-se em temperaturas exorbitantes; que fora dela estrelas se deslocam a todo instante; que circulamos o Sol em uma velocidade alucinante; e que todo o universo é dinâmico. "Dança-me!" é o que nos diz o sussurro do vento, o uivo da lua, o fôlego da relva. Se paramos para escutá-los, percebemos que nada é mais legítimo que o espaço da liberdade. Amar o chão onde se desliza, o ar cortado em um salto, a visão desfocada que se tem durante um giro. A singularidade e o valor da vida de uma pessoa muito tem a ver com o modo como o mistério do existir é por ela encarado; com a maneira peculiar pela qual ela dança sua existência, sendo movimento. Isso já dizia Roger Garaudy em sua obra Dançar a vida, título que consiste em uma bela metáfora para a proposta de assumir uma existência sensível. Mais do que decifrar a vida, precisamos dançá-la, pois não será dançando-a que iremos decifrá-la?
O poder expressivo da dança carrega o ato da criação. Dança-se, e algo nasce. Dançar gera transformação. Quando se dança adentra-se uma relação diferente com o tempo, relativiza-se a ampulheta. Os poros da nossa atemporalidade se dilatam, a noção dos minutos e das horas se altera, mergulhamos para dentro. Mas não por isso dançar significa fugir ou esconder-se em si mesmo. Não faz o menor sentido conceber a viagem interior da dança como uma subjetivação egocêntrica, já que a realidade não é apenas externa, mas também interna; já que nossos próprios mistérios nos ensinam a entender um pouco desse mundo.
Além de levar para dentro, a dança leva para fora, para o outro, para o encontro. Talvez ao dançar, o deus Xiva lance ao longe infinitas sementes para tornar fértil o nada, para semear o vácuo ao seu redor. Ele contempla a escuridão enquanto dança, e a ilumina. Na vida cotidiana deveríamos nos lembrar dele. A rotina passa apressada e tromba na dança. Nossos movimentos outrora libertados ficam desorientados e cessam. A pressa normatiza a dinâmica do corpo. A tristeza descolore o cromatismo do olhar. O medo petrifica a ação. A entropia cresce e a sintropia desfalece. Viver é ambivalência. Perguntas ou respostas? Mover-se ou cristalizar-se? Poderemos olhar para trás e sorrir, se esquecermos de dançar? De girar sobre o vácuo? Se deixarmos de contemplar a escuridão?
Nunca se soube de uma esfinge que não parecesse ameaçadora, que de tão fantástica e obscura não causasse medo, que não lançasse um enigma, que não fosse mistério. No entanto, a esfinge traz a possibilidade do salto da consciência. Exige um envolvimento absoluto. Encontrá-la é deparar-se com o absurdo; encará-lo de frente, fixar os olhos nos seus. A esfinge abre a boca e proclama: "Dança-me, ou devoro-te".