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Imagem parte da obra musical e visual Girls (2009) de Takagi Musakatsu. Site do artista: http://www.takagimasakatsu.com/index-eng.html Link para a obra no Youtube: http://www.youtube.com/watch?v=P-tT6fu1I8k |
Pairar a alguns centímetros do chão e sentir ondas de movimento varrendo a mente, navegando pelas vísceras e chegando até a pele. Como seria descrever as sensações-movimento que a música pode causar em nosso estado corporal? Sentar-se para ouvir. O corpo aparentemente estático - sem dança, sem realizar movimentos. Não nos mexemos, mas algo se mexe. Não estamos nos deslocando no espaço, mas somos um espaço onde perambulam misteriosas naturezas de movimento. É a audição dançante percorrendo o corpo, o vazio do pensamento e o útero das emoções.
A música é inseparável da dança. E isso, não apenas no que diz respeito à relação espontânea e primordial que existe entre ritmo sonoro e movimento corporal, mas também, no que diz respeito àquilo que é mais intrínseco no ouvir: as sensações-movimento. Estamos parados e o som musical se move em nós como que por vontade própria. Somos o palco, o tablado para a sua dança.
Oliver Sacks, o neurologista-contador de histórias neurológicas (autor dos livros O homem que confundiu sua mulher com um chapéu e Um antropólogo em Marte, dentre outros) levanta, no prefácio do seu livro Alucinações musicais (2007, Companhia das Letras), uma brincadeira interessante: imaginar como seria viver sem música. Seria possível? Sacks menciona os personagens do livro O fim da infância, de Arthur C. Clarke, os Senhores Supremos: extraterrestres que, dentre outras singularidades, não possuem a aparelhagem cerebral necessária para escutar música. Se tomássemos o lugar de um desses seres no enredo da história contada no livro, como seria visitar a Terra, e assistir a um concerto musical sem conseguir ouvir a música, e nem mesmo sentir suas vibrações? Que visão no mínimo curiosa que teríamos! Tantos humanos envolvidos profundamente por algo invisível que invade suas orelhas... Como diz Sacks, podemos imaginar os alienígenas matutando a respeito dessa bizarra realidade incapturável. E prolongando a interrogação de Sacks, podemos nos perguntar como seria o dançar em uma condição existencial amusical? Haveria no planeta desses ETs alguma forma de dança? É possível... Mas e a audição dançante?
"Ouvir música não é apenas algo auditivo e emocional, é também motor" afirma Sacks. Ele menciona Nietzsche: "Ouvimos música com nossos músculos" - frase que me traz à mente a imagem de um mosaico de músculos brilhantes, com áreas pulsando em diferentes intensidades, de acordo com as específicas manifestações do tônus muscular, despertadas ou desencadeadas pelo som e sua melodia. Em nossa carne estão as trilhas deixadas pelas experiências das emoções, e de todo o aprendizado sensório-motor. E quanta memória sensorial e emocional nos chega pelas asas da música. Pensando nisso, podemos lembrar também da dinâmica carne-linguagem trazida por George Lakoff e Mark Johnson em Philosophy in the flesh. Penso que também a audição dançante se insere no hall das experiências sensoriais que compõem a fundação da estrutura cognitiva humana discutida pelos autores, inscrevendo-se na pele e abaixo dela. A audição dançante é deflagrada pelos labirintos do ouvido, e visita a mente, espalhada na carne. Seu rastro, instantâneo ou não, pode levar à dança propriamente dita. Sair à sua procura pode levar à dança propriamente dita.
Inspirado nas alucinações musicas, Sacks cita também Schopenhauer: "A inexprimível profundidade da música é algo fácil de entender, e no entanto, tão inexplicável." Pensando nessa inexplicabilidade da experiência apreciativa musical e em muitas outras familiares a ela, me vem à cabeça que elas representam a abertura para uma ótica diferente em relação ao mundo. Reconhecer o inexprimível é como olhar para a vida por intermédio de uma enigmática lente refratora. Ficamos em um ponto de vista no qual percebemos que as coisas falam ou agem por nós; experiência distinta do conduzir ou modelar coisas. Vivenciar a audição dançante nos coloca no exercício de sentir o movimento passando por nós por meio do som. Experimentamos uma espécie de passividade movediça permeada por uma atividade involuntária sensitiva e emocional. O som imaterial e seus respingos na matéria. Somos levados a passear sem sair do lugar. Será a audição um fruto da memória do movimento?
Link para uma possível experiência para a audição dançante:
Moondog com sua Symphonique #3 (Ode to Venus)
http://www.youtube.com/watch?v=xjDfIEiU0Q0
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